Tornozeleira para presos vira alternativa em lei, mas para poucos
G1 (Globo.com) – 04/07/2011

Alegando escassez de verbas, falta de regulamentação da lei e até ausência de banda larga, 11 estados (veja tabela abaixo) não têm previsão para implantar sistema de monitoramento eletrônico de presos, segundo levantamento realizado pelo G1. A alternativa, antes usada só para presos condenados, está prevista na nova lei de prisões, que entra em vigor a partir desta segunda (4) e pode obrigar a revisão de mais de 200 mil casos no país.

A Lei 12.403 muda o Código do Processo Penal para alterar as possibilidades em que a prisão preventiva é aplicada. Pela norma, o juiz, ao se deparar com uma detenção por crimes dolosos (quando há intenção), poderá se decidir entre nove tipos de medida cautelar além da prisão, entre elas, o pagamento de fiança, o comparecimento à Justiça e a proibição de frequentar determinados locais.

Outra medida cautelar possível é o monitoramento eletrônico, com o uso de uma pulseira ou tornozeleira eletrônica. A responsabilidade seria dos estados, mas, procurados pela reportagem, 11 informaram que ainda não possuem previsão de implementação do sistema.

Preços de R$ 300 a R$ 1 mil

Os governos estaduais alegam que, apesar de a lei entrar em vigor nos próximos dias, ainda falta esclarecer o funcionamento e há falta de informação sobre o custo do sistema de monitoramento eletrônico. Entre as dúvidas, estão a forma de utilização – se no tornozelo e no pulso ou em apenas uma parte do corpo, evitando expor mais a pessoa monitorada – , e até em relação ao limite de circulação de quem estiver com o equipamento de maneira a ficar ao alcance da fiscalização, evitando fugas.

O Ministério da Justiça informou que a regulamentação do tema para criar um padrão nacional de aplicação do sistema ainda está sendo discutida. Com relação aos custos, a reportagem procurou duas empresas que já têm contratos firmados com governos, mas não obteve resposta.

Nos locais onde o sistema já existe, as tornozeleiras ou pulseiras não são vendidas, mas fornecidas aos estados sob uma espécie de “aluguel”. O monitoramento e a manutenção dos equipamentos ficam a cargo das empresas.

Um secretário ouvido pelo G1 relatou ter recebido propostas que variam de R$ 400 a R$ 700 mensais por preso. Outro disse que o custo é de cerca de R$ 1 mil. No Rio de Janeiro, o governo gasta cerca de R$ 650 por tornozeleira.

Na Paraíba, o estado abriu uma licitação e estima que o custo seja de R$ 300 por monitorado. O secretário da Administração Penitenciária do estado, Harrison Targino, diz que os valores em outros estados “ainda estão muito altos”.

Em Santa Catarina, o governo diz que estuda novas tecnologias para baratear os custos. “O aluguel mensal de cada equipamento é de R$ 650, segundo nossas previsões, o que está muito caro”, diz João Luiz Botelho, coronel da Polícia Militar e diretor de inteligência da Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania do estado.

O preço dos equipamentos e do serviço atrapalhou a implantação do monitoramento no Rio Grande do Sul. O estado chegou a utilizar tornozeleiras entre agosto de 2010 e fevereiro de 2011, por meio de um contrato emergencial. Com o fim do contrato, a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) realizou uma licitação, mas alega que os valores ficaram acima do esperado e cancelou o processo.

‘Pontos cegos’ e banda larga

Em muitos casos, as dificuldades relatadas pelos estados vão além de falta de orçamento. No Amazonas, o governo fez testes e diz que o sistema funcionou “muito bem”, apesar de algumas falhas. “Algumas questões precisam ser resolvidas ainda, como o que a gente chama de ponto cego em algumas cidades. São áreas que têm falhas no sistema de transmissão. Mas não é nada que não possa ser ajustado”, diz o secretário de Justiça e Direitos Humanos, Carlos Lélio Lauria Ferreira.

No Amapá, a falta de verba se alia a um problema mais estrutural. “Tem uma dificuldade a mais, porque não existe banda larga no estado. O sistema não funcionaria bem”, diz o diretor-presidente do Instituto de Administração Penitenciária (Iapen), Nixon Kenedy.

Governo federal tem que ajudar estados, diz entidade

“Se nós não tivermos o apoio do governo federal, não vamos conseguir muita coisa. Os estados têm os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal, nós temos um contingenciamento terrível do Fundo Penitenciário Nacional. Há anos que o governo federal vem fazendo superávit primário com esse dinheiro do fundo, que é das loterias. Logo, é inconstitucional esse tipo de contingenciamento”, afirma o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Justiça, Direitos Humanos e Administração Penitenciária (Consej), Carlos Lélio Lauria Ferreira.

O Ministério da Justiça afirma que, em razão de a regulamentação ainda estar sob discussão, não poderia responder sobre a possibilidade de enviar recursos aos estados.

Critérios do levantamento

Por quatro dias, o G1 procurou os governos do Distrito Federal e dos 26 estados para saber se já utilizam o monitoramento para presos e se pretendem ampliar o sistema para os casos enquadrados na nova legislação.

Do total, apenas três já possuem o sistema: São Paulo, Rio de Janeiro e Rondônia. Em Rondônia, onde os equipamentos também são usados no regime semiaberto, o governo informou que o custo é atualmente um impedimento para uso da tecnologia como medida cautelar.

Em São Paulo, o monitoramento é utilizado para detentos em semiaberto, que saem das prisões durante o dia para trabalhar, e para aqueles que só saem em feriados. O sistema foi utilizado pela primeira vez em 2010, nas saídas temporárias de Natal e Ano Novo. Atualmente, cerca de 2 mil presos trabalham fora das prisões (deixam a unidade de manhã e voltam à noite, para dormir) e são monitorados.

Um consórcio de três empresas que venceu a licitação receberá R$ 50 milhões pelo monitoramento de até 4.800 detentos do regime semiaberto. O contrato tem duração de 30 meses.

A Secretaria de Administração Penitenciária afirma que há “pleno sucesso” no sistema e diz que o número de fugas diminuiu “substancialmente”. De acordo com o governo, no Dia das Mães, 1.721 detentos monitorados deixaram as prisões, e 3,54% não retornaram.

No Rio de Janeiro, a tornozeleira eletrônica chegou a ser usada, mas, após a fuga de 32% dos presos monitorados e 54 tornozeleiras rompidas em um mês, o Judiciário decidiu não mais usar o acessório para detentos do regime semiaberto. Em abril, o monitoramento passou a ser utilizado para o regime de prisão albergue domiciliar. Atualmente, 136 presos estão utilizando o equipamento.

Veja o que dizem as administrações sobre a utilização do monitoramento eletrônico:
– Não têm previsão para implantar o sistema:
Acre Governo informou que o estado passa por dificuldades de arrecadação, que não tem recursos para adotar o monitoramento, mas que há expectativa de implantar um projeto-piloto por meio de um convênio com o Ministério da Justiça. O G1 procurou o ministério e foi informado que, de forma geral, ainda não estão sendo discutidos convênios.
Amapá O Instituto de Administração Penitenciária (Iapen) informou que não há previsão, projeto ou orçamento para implantar o monitoramento eletrônico.
Ceará O governo informou que não há data prevista para implantar o monitoramento. Segundo o governo, uma equipe estuda o assunto e uma audiência pública deverá ser marcada para discutir o tema com a sociedade.
Espírito Santo A Secretaria de Estado da Justiça informou que o governo vai adotar o monitoramento, mas que “está aguardando a normatização da lei por parte do Ministério da Justiça para então iniciar o processo de licitação dos equipamentos”.
Mato Grosso do Sul* O secretário de Justiça e Segurança Pública, Wantuir Jacini, informou que vai esperar o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) adquirir os equipamentos e fornecê-los para uso no estado.
Pará O governo ainda não decidiu se adotará o monitoramento. A Superintendência do Sistema Penitenciário (Susipe) está avaliando os resultados de um teste realizado para apresentar um relatório ao Conselho Estadual de Segurança Pública, que decidirá se abrirá licitação.
Piauí Governo informou que não utiliza o monitoramento e que não há previsão para adotar o sistema.
Rio Grande do Norte O governo prevê fazer testes em agosto, mas afirma que faltam recursos para implantar o monitoramento.
Roraima O governo informou que não possui nenhuma forma de monitoramento eletrônico de presos e que, por enquanto, não há projetos para implantação.
Sergipe O Departamento Penitenciário informou que não há projeto e que o governo primeiro irá aguardar manifestações do Judiciário para saber se os juízes vão demandar o monitoramento.
Tocantins A assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública do Tocantins informou que não há previsão para implantar o sistema, mas que irá realizar estudos sobre o tema.
Estados com previsão ou que já adotam o monitoramento atualmente
Alagoas Está testando o monitoramento e abriu uma licitação para contratar o serviço.
Amazonas Já fez testes e vai reabrir uma licitação. Pretende implantar no segundo semestre.
Bahia Existe projeto e o governo abrirá licitação.
Distrito Federal O subsecretário do Sistema Penitenciário, André Espírito Santo, afirmou, por e-mail, que “não será possível os juízes decidirem pela utilização do equipamento de monitoramento eletrônico em princípio”. Segundo ele, o governo pretende terminar testes e apresentar um projeto para promover uma licitação.
Goiás Está participando de licitação para contratar o serviço e espera adotar em julho.
Maranhão Pretende abrir licitação e adotar o sistema a partir de setembro.
Mato Grosso Governo informou que abrirá licitação ‘nas próximas semanas’.
Minas Gerais Abriu licitação para uso em presos e poderá expandir para uso como medida cautelar.
Paraíba Já fez testes e abriu licitação para adotar o sistema. A previsão é concluir processo até o fim do ano.
Paraná O governo informou que pretende implantar a nova lei e que um comitê está analisando as propostas.
Pernambuco Já realizou testes entre 2008 e 2010, elaborou parecer e o processo de licitação está em estudo.
Rondônia O governo informou que utiliza o equipamento. Atualmente, custo do serviço é um problema para adoção como medida cautelar.
Santa Catarina Houve testes com 285 presos, e apenas um tentou violar o equipamento. Não há licitação em andamento. O estado procura reduzir os custos do equipamento estudando novas tecnologias.
São Paulo O monitoramento é utilizado para detentos em semiaberto desde 2010.
Rio de Janeiro Em abril, o monitoramento passou a ser utilizado para o regime de prisão albergue domiciliar. Atualmente, 136 presos estão utilizando o equipamento.
Rio Grande do Sul Um pregão eletrônico será realizado no dia 12 de julho, às 14 horas, no site da Secretaria de Segurança Pública (SSP).

Fonte: http://g1.globo.com/brasil/noticia/2011/07/tornozeleira-para-presos-vira-alternativa-em-lei-mas-para-poucos.html


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